Thursday, June 07, 2007

O grande baile


Estava há pouco, em frente ao espelho, percebendo-me a viver um intenso momento de nostalgia. Comparando o pretérito ao presente (que nada indica-me), na tentativa de, quem sabe, descobrir o futuro. Lembrei-me de como tudo outrora havia sido diferente.

Desde a infância eu admirei a arte. Aos quatro anos de idade já aprendia a ler, e através disto, encontrei muitos mundos: pude alcançar a glória de me emocionar ao interpretar a história do livro "Veleiro de Cristal" por mim mesma, cujo autor nem me recordo o nome. Conheci as histórias de amor, luta e amizade... Os mais admiráveis contos de fada de La Fontaine e Andersen. Tudo parecia mágico. Eu imaginava os grandes bailes de época, os lindos vestidos, as moças que bravamente guerriavam contra o mal, e as madrastas que o representavam: havia uma solução lendária para tudo, sempre... E um beijo afetuoso em todo fim.

Mais crescida, passei a dançar. Foram sete maravilhosos anos de balé clássico, e a continuidade com a dança contemporânea posteriormente. Conheci a todos os enredos, os devorava em leitura a ponto de acreditar que, um dia, eu seria a Bela Adormecida ou a Cinderela... E por que não Copélia? Sim, minha primeira paixão foram as sapatilhas. Eu achava que meu príncipe encantado seria o bailarino mais belo e talentoso, o qual dançaria todo espetáculo ao meu lado, em um intenso Pas de Deux, e eu estaria com um de meus vestidos cor de rosa cheios de brilho (pois o palco era o único lugar onde eu me permitia usar rosa).

Ainda pequena, eu observava com entusiasmo às meninas mais velhas que bailavam com harmonia e ritmo os solos do segundo ato: os mais importantes! Na dança, pude viver os contos de fada que eu lia. Durante anos, acreditei que seria sempre assim.

Por razões pouco explicaveis, eu deixei as luzes do palco e meu primeiro amor: minhas sapatilhas decrépitas e gastas estão empoeiradas em uma caixa escondida sob algum canto obscuro e úmido do meu armário. O mais triste é que junto com elas foram guardados os meus sonhos, a vida como que em um grande baile, os vestidos, a centelha que fazia-me menina sapeca a bailar em todo instante, o modo com que eu acreditava na expressão como forma de mudança... Empoeirou-se o meu "algo mais" de artista, aquela certeza aguda de que se pode transformar em belo o triste. Meu "príncipe"? Nunca ensaiamos juntos, nosso pas de deux deixou de ser dançado por uma grande amizade, que também já não existe. O beijo, este jamais encontrei. Não fui sua bailarina, e ele não pôde ser meu par.

É pena que o agora não seja mais que realidade. E meu breve relato, apenas o retrato de um pesar... A vida talvez já não me permitirá bailar, ou transformar em possibilidade aquilo que nos parece inviável, e quem sabe eu jamais ame novamente... E se amar, não será com o mesmo encanto inocente, porque cada espetáculo é único, bem como cada passo que se dá no grande baile da vida. O que se foi, nunca será, e o que não foi também. Ao menos sei dizer (admitir) que amei, sempre e tanto, que o hoje o meu desencanto é por não saber amar.


...


A dança só será uma arte se transmitir o intransmitível, se explicar o inexplicável. Essa é a centelha que se alimenta da alma da bailarina, e explode a cada momento a ser executado... E dançado.

3 Comments:

Blogger Edson Bezerra said...

Sempre há horas para um recomeço. E nem tudo que fica para trás é morto. A arte de amar se aprende amando, minha cara.

Belo texto!

June 9, 2007 at 4:13 AM  
Blogger Rubem Garcia said...

Mal que move mãos,
Pés de Deus…
Passo dos dois,
Afastados,
Amarras,
Despe na sapatilha,
A poeira d’alma...
Poeira que em minha carne,
Não mais destoa…
À beira do cemitério…
Aos pés da cova...
Temendo por minha hora…
Ou minha desova...
Reclamo de vento frio,
E água de chuva,
Tédio, de horas mortas,
Em tardes longas.
Servo do mal ladrão e do mau juízo,
Escravo do vil patrão,
Sem pagar o dízimo…
Espero, sem esperar,
Ou cobrar resposta…
Com a calma que não desiste…
ou quem persiste por esta posta…

June 11, 2007 at 11:08 PM  
Blogger Rubem Garcia said...

foid e roubar o sono... obrigado...

June 11, 2007 at 11:10 PM  

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home