Sunday, August 28, 2005

O que penso a respeito da Encíclica do Papa João Paulo II, referente à relação entre a fé e razão, e a interação da filosofia com a teologia:

Dois Paradoxos

O estudo sobre a verdade teológica da Igreja somente se renova quando encontramos experiências novas de cristãos que vivem comunitariamente sua fé dentro de determinada sociedade.(...) Compete ao teólogo pensar as imagens da igreja, e ressaltar os novos acentos que se vivem concretamente nestas experiências. É desta forma que se esboça uma eclesiologia nova ou renovada. (Leonardo Boff).

O conflito encontra-se no fato de que, se a ética é o estudo da moral, e essa se modifica no decorrer da história, pois está relacionada ao contexto social, à época e à corrente filosófica do momento, como pensar na conciliação entre a verdade absoluta da igreja, e a verdade filosófica (especialmente a humanística) que se permite uma constante transformação?

Há muito, os conflitos entre a fé e a razão assolam a humanidade. Desde os tempos primórdios, discussões entre valores estóicos e cristãos, estiveram presentes no início da formação da Igreja. E o Apóstolo Paulo, entre outros, considerou mais conveniente atar a sua pregação pensamentos filosóficos que possuíam conceitos respeitosos sobre a transcendência divina. E foi através da racionalidade que padres da igreja permitiram diálogos a fim de que houvesse compreensão do Deus Jesus Cristo.

Entretanto, ainda que abrindo caminho para um diálogo racional a respeito da fé cristã, houve também cuidados para que a filosofia não se aproximasse da gnose, esoterismo e crenças pagãs, para que a grandiosidade que a fé cristã julga possuir não se subordinasse à interpretação da razão, tão somente.

A aproximação entre a fé e a filosofia foi um exercício que se estendeu ao longo de séculos, pois a prioridade para a igreja, era a conversão do sentimento humano, e do clamor pelo Batismo católico; contudo, não era possível ignorar uma mais profunda compreensão da fé.

A doutrina cristã mostrou-se atraente a todo tipo de classe social, porque conseguiu dar respostas às questões existencialistas que outros filósofos não conseguiram, ainda que de modo mais mistificado e menos empírico, o quê propiciou que se pensasse, a princípio, que em certos aspectos a filosofia já havia sido superada.

São Justino é um dos arquétipos que podem ser citados a respeito da formação do pensamento cristão. Apreciava a filosofia grega, porém, após a conversão, afirmou que o cristianismo era a única filosofia segura e vantajosa. Entre outros, podemos citar Orígenes, o qual recorreu ao platonismo para responder a questionamentos pagãos.

Vê-se então, a formação de um cristianismo questionador, em busca de conhecer a verdade em essência. Na Idade Média, tem-se Santo Agostinho, e em sua obra Confissões pode-se perceber a influência de escolas filosóficas que não o haviam satisfeito. Santo Agostinho censurava aos platônicos, pois conheciam o fim, mas não tinham aos meios justificados, não tinham conhecimento Do Quê os conduziam.

Para Santo Tomás de Aquino, tanto a razão quanto a fé provinham de Deus. Somente quando surgiram as primeiras universidades, a teologia passou a relacionar-se mais com o saber cientifico. Essencialmente a partir do século XVIII, com o advento iluminista, uma nova corrente filosófica, racionalista, incentivou a formação de um pensamento distante das concepções ligadas a fé cristã. Exemplos são as novas correntes idealistas (Hegeliana), que procuraram tornar compreensíveis através do discurso dialético, os mistérios de fé.

Posteriormente, Marx, através da inversão da dialética hegeliana, traria à luz do pensamento novas concepções a respeito do ser humano como agente social e fator acionário da história, não com a visão existencialista-individualista que satisfazia os seguidores do cristianismo.

Na atualidade, o abandono da busca pela verdade filosófica, como já contestava Kant através do Imperativo Categórico, foi responsável pelo obscurecimento da razão enquanto completude de fé sem, entretanto, que a fé deixe de buscar a razão como seu complementar: para o esclarecimento da moral, da liberdade, da ética, do homem como agente social, e até mesmo para o embasamento argumentativo, a Igreja busca o auxílio da filosofia, sem que esta precise, necessariamente, do individualismo subjetivo cristão.

Teoricamente, para a igreja, a filosofia caminha lado a lado com a fé. Conversando com o padre substituto da Igreja Matriz (no dia 13/08/04), de SBC, ele afirmou, durante o sacramento da Confissão a que me propus para que houvesse um dialogo, a condenação dos “Ideais” pela igreja. O Ideal ou Ideologia é o que racionaliza os seres a ponto de afastá-los da graça e da compreensão do que é divino, sendo assim, a filosofia viria como acréscimo, e o Ideal que ela ajuda a formar, como o negativismo humano. Porque o questionamento passou a não ser mais importante quando se trata de fé, e esta, é aquilo que em nossa limitação não compreendemos.

O pensamento ainda nos torna Anátemas, na visão da religião – Anathema, do latim, Maldição - o que até 1983 proporcionava a excomunhão dos adversários da fé católica. Anathema Sit “Se alguém diz (pensa), que seja anátema”- afirmava o Catecismo. E hoje, com evolução a que inevitavelmente todos estamos condicionados, o pensamento filosófico-ideológico, e questionamento dogmático, não são motivos de Excomunhão, mas são ainda pecados mortais, que devem ser confessados de acordo com a moral religiosa católica.

Há motivação bastante, para criticar-se deveras a Igreja como instituição moralista, hierárquica, inquestionável, justificada apenas porque existe e não pode ser dissolvida. Pode-se estabelecer a crítica à crença católica enquanto detentora de uma verdade absoluta de salvação, levando as pessoas a crerem em um Deus subordinado aos próprios moralismos e vaidades. Utiliza-se a figura divina para legitimar ainda mais o nosso sistema excludente, possuidor de Direitos Humanos utópicos, de bases religiosas. Desde o Metalismo existente no poder absoluto da Idade Moderna, até o Capitalismo Industrial Contemporâneo, o lucro esteve acima da existência, e não teria sido diferente com a evolução religiosa. Da venda de indulgências e da inquisição, até a alienação da Renovação Carismática, não se propõe a bondade porque se acredita nela, mas porque sendo bons, receberemos ao final o precioso lucro da salvação. Junto a esta verdade de “livramento das penas no inferno”, surgem teses, e cria-se ética. O sujeito detentor desta veracidade esconde-se em palácios ao estabelecer regras, enquanto os carentes do “amor ao próximo” morrem de fome, cantando os louvores a Deus, pois dos “pobres é o reino dos céus”. Uma relação paradoxal entre a religião e o capitalismo: A primeira torna pacífica a massa, trazendo a consolação pelas mazelas criadas pelo segundo. E nós, hipócritas filhos de Cristo?

Outra importante questão a se ressaltar na interação fé-filosofia, é a liberdade. “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”, afirma Paulo em sua carta endereçada a cidade de Corinto, no Capítulo 6, versículo 12. Influência talvez, do relativismo subjetivo de Prógoras expressado nos termos: “o homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, o que convém, depende do julgamento pessoal. Diferente do pensamento materialista, do determinismo absoluto, em que a liberdade não existe, e o homem é determinado pela natureza. Em Sartre, há liberdade absoluta. E nesta amalgamação, a relação dialética entre liberdade e determinismo, encontra-se Marx, Espinosa, e Hegel, para os quais não faz sentido pensar em uma liberdade absoluta, nem em uma negação absoluta da liberdade, o que se aproxima, de certa forma, do pensamento de Paulo, o qual a Igreja afirma estar distante do materialismo dialético. Eis então nosso segundo paradoxo.