Friday, June 15, 2007

Tempo Vivo

Cala-te, oh tempo impiedoso,
Tua voz não pode acalentar a minha dor.
Afasta-te de meu espirito doloroso,
Que em ti apenas fere-se em rancor.

Sofro por ti, oh tempo criança,
Vivo a buscar o teu crescimento,
Murumuro a cantar um sopro de esperança,
Presumo que a espera se torne um tormento.

Pobre de mim, oh tempo que fende-me,
Pois em tua ilusão faz-me encontrar,
Não a alegria que dá em amar-me,
Mas o sofrimento de a ti não amar.

A morte de um tio.

O caos era cuidadosamente controlado pelo sorriso nostálgico em todos os rostos.
Diante de tal apoteose, era impossível não sentir saudades.

A vida seguiria mais silenciosa agora.

Thursday, June 07, 2007

O grande baile


Estava há pouco, em frente ao espelho, percebendo-me a viver um intenso momento de nostalgia. Comparando o pretérito ao presente (que nada indica-me), na tentativa de, quem sabe, descobrir o futuro. Lembrei-me de como tudo outrora havia sido diferente.

Desde a infância eu admirei a arte. Aos quatro anos de idade já aprendia a ler, e através disto, encontrei muitos mundos: pude alcançar a glória de me emocionar ao interpretar a história do livro "Veleiro de Cristal" por mim mesma, cujo autor nem me recordo o nome. Conheci as histórias de amor, luta e amizade... Os mais admiráveis contos de fada de La Fontaine e Andersen. Tudo parecia mágico. Eu imaginava os grandes bailes de época, os lindos vestidos, as moças que bravamente guerriavam contra o mal, e as madrastas que o representavam: havia uma solução lendária para tudo, sempre... E um beijo afetuoso em todo fim.

Mais crescida, passei a dançar. Foram sete maravilhosos anos de balé clássico, e a continuidade com a dança contemporânea posteriormente. Conheci a todos os enredos, os devorava em leitura a ponto de acreditar que, um dia, eu seria a Bela Adormecida ou a Cinderela... E por que não Copélia? Sim, minha primeira paixão foram as sapatilhas. Eu achava que meu príncipe encantado seria o bailarino mais belo e talentoso, o qual dançaria todo espetáculo ao meu lado, em um intenso Pas de Deux, e eu estaria com um de meus vestidos cor de rosa cheios de brilho (pois o palco era o único lugar onde eu me permitia usar rosa).

Ainda pequena, eu observava com entusiasmo às meninas mais velhas que bailavam com harmonia e ritmo os solos do segundo ato: os mais importantes! Na dança, pude viver os contos de fada que eu lia. Durante anos, acreditei que seria sempre assim.

Por razões pouco explicaveis, eu deixei as luzes do palco e meu primeiro amor: minhas sapatilhas decrépitas e gastas estão empoeiradas em uma caixa escondida sob algum canto obscuro e úmido do meu armário. O mais triste é que junto com elas foram guardados os meus sonhos, a vida como que em um grande baile, os vestidos, a centelha que fazia-me menina sapeca a bailar em todo instante, o modo com que eu acreditava na expressão como forma de mudança... Empoeirou-se o meu "algo mais" de artista, aquela certeza aguda de que se pode transformar em belo o triste. Meu "príncipe"? Nunca ensaiamos juntos, nosso pas de deux deixou de ser dançado por uma grande amizade, que também já não existe. O beijo, este jamais encontrei. Não fui sua bailarina, e ele não pôde ser meu par.

É pena que o agora não seja mais que realidade. E meu breve relato, apenas o retrato de um pesar... A vida talvez já não me permitirá bailar, ou transformar em possibilidade aquilo que nos parece inviável, e quem sabe eu jamais ame novamente... E se amar, não será com o mesmo encanto inocente, porque cada espetáculo é único, bem como cada passo que se dá no grande baile da vida. O que se foi, nunca será, e o que não foi também. Ao menos sei dizer (admitir) que amei, sempre e tanto, que o hoje o meu desencanto é por não saber amar.


...


A dança só será uma arte se transmitir o intransmitível, se explicar o inexplicável. Essa é a centelha que se alimenta da alma da bailarina, e explode a cada momento a ser executado... E dançado.

Wednesday, June 06, 2007

Utopia

Venha...
Dê-me tuas mãos gélidas,
Aqueça-as em minha face,
Ponha-as em meus lábios,
Quero teu cheiro confortante,
De quem se faz presente.
A melodia da chuva que cai,
A terra molhada que cobre nossos pés.
A orquestra dos carros faz-nos [caminhar sorrindo pela cidade].
As luzes refletem...
Talvez porque o mundo tenha jeito.
Talvez porque um dia você chegará,
E nós iremos ao cinema.
Carregar-me-ás em teus braços.
Tocar-me-ás com as flores que roubastes, [de meu próprio jardim].
E seremos eternos.
E seremos fraternos.
E seremos amantes.
Serenos, cantantes.
Comeremos bolo e pudim.
E seremos agentes,
Filósofos, poetas,
Jogaremos cartas.
Correremos de bicicleta.
Cantarei o amor que nos liberta.
Dar-te-ei o corpo e a idéia.
E não seremos família.
E não louvaremos propriedade.
Seremos o quê somos, apenas.
Venha...
Diga-me que a poesia não é vã,
Que a música alimenta,
Que a arte nos sustenta,
E a morte não é fim.
Diga-me que Deus não nos condena,
E o inferno é da hipocrisia pena.
Diga-me que não acredito a toa,
Que a matéria é transitória,
E que há justiça sim.
Entregue-me mais do que sentes e pensas,
Além das indiferenças deste mundo estúpido.
Entregue-me além das meias palavras,
Do erudismo patético,
Quero simplicidade sábia,
Sinceridade rara,
A beleza âmago,
Nem muda, nem moda, nem fora.
Venha,
Aflora em teu existir,
Para que eu creia, assim, que ainda existo.