Monday, March 28, 2005

Ninguém notou,

mas estou desaparecendo.

Saturday, March 26, 2005

Verbo de Ligação

Despertei como se de algum modo o fato parecesse-me normal. Caminhei beirando às paredes, apoiando-me da mesma forma que os embriagados percorrem às ruas nuas e escuras da madrugada. Estava sóbria, até ali. Era preciso alimentar-me nesta manhã. Transbordei de vinho branco a xícara de café. Queria o novo. Abri as janelas e colhi as rosas em botão, enfiei-as num vaso senil esperando que minha insatisfação as murchasse como os girassóis de Van Gogh. Permaneceram sorridentes. Não retribuí.
O dia não era de sol. A brisa fria vinha de encontro ao concreto da cidade. Do alto, eu observava toda a fúria da metrópole. A solidão perturbava na mesma intensidade em que podia conclui-la como estado comum. As pessoas andavam na calçada – que exalam odor de urina – acompanhadas, mas sozinhas, entre a multidão solitária de mil rostos, vozes e obscuridades. Há dores e ócio todo o tempo: vitalidade virtual. Quais as razões para que a vida permaneça inerte na delinqüência da Polis?
O jornalista desempregado beija sua namorada, Maria caminha com pressa, a criança está sobre a bicicleta, o artesão lamenta a marginalidade de sua arte. A sociedade flui retrógrada e moralista, as flores de plástico enfeitam todas as salas. O poeta chora a morte de sua poesia, enquanto o comerciante vende, e a prostituta dorme durante o dia. Ninguém ouve os pássaros.
O aleijado pede esmolas. A igreja cega está em silêncio. O professor ensina o desnecessário, a menina contem sua alegria. Não há instantes guardados para a felicidade, e a garoa aguda cai sobre a praça vazia, molha os carros e os telhados. Ninguém olhou para o céu hoje.
O rapaz rabisca as paredes, o homem trabalha em desespero, a infância morre de tédio e de fome, a mulher respira inconsciente, a propaganda oferece sexo. Ninguém se emocionou de amor na confluência desta cidade.
Os apartamentos estão em escuridão isolada. Os bares em euforias hipócritas; O trânsito, parado, inspira a prece de que a tensão seja um dia recompensada. Corre-se no limite do insuportável. Vive-se por instinto, não por vontade. Ninguém foi ao cinema nesta Segunda feira.
Estou, pareço, permaneço, continuo, e fico.
-Constatações transmitidas ao papel em 14/03/2005

Sunday, March 06, 2005

reVERSO

Todas as tardes, abraço o caderno freneticamente, discorro os dedos de forma delgada entre as linhas, e vão surgindo outras, redondas, coloridas, linhas de palavras amorosas, mensageiras, destinadas a um lugar distante.
Todas as tardes, escrevo saudosas cartas, poemas, e bilhetes, escondo-as em envolopes que só possuem remetente, e espero, inócua do desprezo humano, a mísera resposta.
Todas as tardes, quando a solidão dá lugar ao descontente, descrevo o amor cético dos poetas, o romantismo agudo dos patéticos, a vitalidade erma dos artístas.
Todas as tardes, enquanto o tempo adentra os limites sol, vejo o rascunho sucinto da cidade, enquadrado: da janela, o mundo inteiro é menor que a tua imagem.
Todas as tardes, na hora exata em que os pássaros despedem-se, deitada sobre o leito fascinante, jamais me separo da lembrança, e prossigo imersa em emoções (recíprocas?)
.
- Eu quero o reVERSO uma única vez.

Thursday, March 03, 2005

Não Matarás: Crítica e Impressão

Não Matarás, título advindo da esdrúxula tradução do exato: "Uma pequena história sobre um assassinato", é, sem dúvidas, um dos mais nuviosos filmes de Kieslowski. Sua abertura impressiona-nos através de uma fotografia repleta de cores obscuras, e um panorama melancólico.
Em seu decorrer, seguem-se díalogos que poder-se-iam qualificar de "quase incompletos", levando-nos a adentrar em uma Polônia erma, em que seus habitantes estariam imersos em solidão.
Uma das principais caracteristicas do filme é a apresentação do espaço e do tempo através de movimentos elípticos - estilo narrativo também mostrado no filme Amores Brutos, por exemplo- a vida do motorista de táxi, do jovem, e do advogado colocadas não em paralelo, mas em posições perpendiculares, encontrando-se em um único ponto ou razão.
Os encontros dão-se de maneira ivoluntaria, a fim de enfatizar a impotência dos seres diante das consequencias a que todo um sistema nos sobrepuja, e não apenas ante aos acontecimentos.
O filme compõe através de exposições não tão subjetivas, o questionamento quase existencialista acerca da pena de morte. Kieslowski apresenta uma tentativa feliz de tornar a narrativa de estilo descritivo não psicológico, ou seja, não se trata de um enredo de caráter onisciente.
É natural que o abatimento do filme adentre em nós deixando uma impressão de ordem plangente, e que em grande parte das vezes encaminhamos a discussão sobre as idéias apresentadas por um âmbito de essência individual. ; contudo, é preciso perceber-se a importância do contexto comum, das leis e do Estado que unem os três personagens.
A atitude crítica de Kieslowski revela-se através do fato de não conhecermos as motivações - de modo objetivo- que teriam levado o rapaz a cometer o crime; entretanto, é exposto de forma clara o "pretexto" pelo qual a lei está fundamentada: eis o questionamento sobre as estruturas morais sociais.
Do alto de uma ponte, sobre uma estrada, o jovem rola uma pedra vagarosamente, e esta cai sobre alguns dos carros que passam em alta velocidade: a quem o acaso teria ferido? Injustamente? O rapaz é fruto de uma composição ideológica cencurável, ou está mergulhado em um estado único de iniquidade? Estas são conclusões, peculiares, que cabem ao espectador.