Sunday, December 26, 2004

Por um 2005 dotado de sentidos...

Compensação

Tanto quanto nossas metamorficas imagens refletidas no espelho
Tanto quanto as saudades que nos fazem cair de joelhos
Tanto quanto as palavras que não fizeram a diferença
Tanto quanto a falta que nos fará a juventude
Tanto quanto o "eu te amo" em que não houve atitude

Todos os sonhos serão realidade
Todas as vidas serão insanas
E a insanidade será o amor

Tanto quanto as ideias que foram mudadas
Tanto quanto os ideais que refletem nostalgia
Tanto quanto os pensamentos que duram segundos
Tanto quanto a eternidade dos amores infundados
Tanto quanto uma mente confusa e errante

Todos os medos serão afastados
Todas as vaidades serão refutadas
E a alegria será indizivel.

Tanto quanto a tristeza das frases não ditas
Tanto quanto os abraços não dados aos amigos
Tanto quando os companheiros que foram perdidos
Tanto quanto a voz que negou o conselho
Tanto quando o olhar que não viu o sentido
Tanto quanto o orgulho que negou o abrigo

Todos os holocaustos serão apaziguados
Todas as guerras serao combatidas
E a riqueza será a emoção

Tanto quanto os poetas não são enxergados
Tanto quanto as crianças já não tem brincado
Tanto quanto a insonia já não tem dormido
Tanto quanto a luta já não tem sido meta
Tanto quanto os juizos condenantes e imprecisos
Tanto quanto o sistema excludente e impacivo

Todo sangue derramado será justificado
A vida será compensação
Não por orações, nem abstrações,
Mas porque acredita-se que ainda há motivos.

Tuesday, December 21, 2004

Lilás

A tensão corroía seu corpo, partia de sua nuca, percorria todos os seus músculos num estalo constante. Sentiu um perfume - odor de sândalo- e com as mãos acariciou os seios, e depois o diafragma - respirou. E ao respirar, não esteve aliviada. Enquanto todos desejavam as cores, ela apenas possuía o lilás. O lilás invadia seus olhos e seus lábios, todas as fotos e os fatos, os móveis, a rua. Era ela toda lilás. Entendeu. Não eram os outros. Não havia culpados, mas ignorados. O mundo era uma metástase tamanha, e ela ria; Ria, e sorria, e gargalhava desesperadamente da incompreensão de todos. Apenas ela podia ver. Lembrou-se da canção que dizia: "o mundo é um quadrado que não gira". E a Terra também tornou-se lilás, e a sua alegria: emudeceu.

Monday, December 20, 2004

Sem inspiração

Ele roubou todas as minhas palavras. Não clamarei que as devolva. Que as leve todas, pois não há sentido em escrever. Não há o que me faça ver graça, se a vida não disfarça seu desejo em ver-me triste.

Sunday, December 19, 2004

desespero

Eu penso o tempo todo no que fazer, mesmo que não haja nada a se fazer.


Tuesday, December 14, 2004

2004

As janelas da casa estão fechadas a fim de conter o barulho que vem de fora. Estudando inglês, pouco concentrada, tento me lembrar com o que sonhei na última noite, entretanto, penso que o mês de dezembro chegou, ainda que contra todas as possibilidades. É tempo de natal, de despedida, de rever a vida e tantos outros clichês em que não creio.
O tempo parece ter se tornado estático, desconsideravel, nada mudou ao mesmo tempo em que tudo me parece tão diferente do que eu esperava: desespero-me. De onde vem as ilusões?
Ontem estávamos todos sentados ao vento, sorrindo.
Amanhã não haverá perspectivas, nem sorrisos; e a gente tenta imaginar a vida daqui há dez anos.
As pessoas estão perdidas, por toda a parte. Paredes e grades as aprisionam. O céu prossegue azul sem que ninguém o note. O dia amanhece por hábito, o sol ilumina por costume. Eu vejo as pessoas correndo em volta de si mesmas, ao redor de utopias. Ao se cansarem, se possuem sorte, deitam-se em suas camas, e falam de amor. Acordam em horas iguais, caminham os mesmos caminhos, repetem as mesmas palavras, assistem aos mesmos programas de televisão, leêm os mesmos jornais. Às nove assistem à novela das8. Acreditam na mediocridade, aceitam o anódino a que são submetidos. E no fim dos dias, lamentam a vida inutil dos seus.
Para quê canções?
Desligo meu rádio como se ao sobrar silêncio, não fossem me faltar direções;
ou
uma palavra, um corte,
uma espada, o norte,
a vida estreita, imperfeita,
o tempo, um tempo, mais um,
o conto sem ponto, nem vírgula,
um poeta sem estilo, faminto,
os glóbulos vermelhos em branco,
um gongo vibrando em pranto,
a mulher gorjeando feito ave,
sempre-viva, sem-vergonha, e sabida,
pervertida: perjura,
permanece e permuta,
quem voga?
A barca é grande,
o vento garante,
um percurso picante, pícaro, picareta,
em pique,
quem segue?
Um ladrão lacrimogêneo: Estado.
Um lagalhé lânguido: O Surdo.
Um latino americano: O Mudo.
As flores do mal exalam seu perfume.

Por favor,
não me falem de amor,
nem dos natais de antanho,
o bom velhinho, fanho, não vem,
o menino messias se foi,
as luzes acesas das árvores
não detém a noite que recai sobre todos,
nem amanhece as convenções hipócritas.

Embriague (-se)
Viaje (-se)
Anime (-se)
Iluda (-se)
Um ano depois, sente-se, e faça os mesmos planos.

Sunday, December 05, 2004

Determinismo das Verdades

Assim como para Hegel e Marx não era coerente falar de “uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade”, não há como se pensar em uma verdade absoluta nem em uma negação absoluta da verdade.
No decorrer da história, modificaram-se as concepções de moral e assim mudaram também as definições do que é verdadeiro e do que é falso: “a verdade teocentrica da Idade Média não é a realidade antropocêntrica contemporânea”.
Seria superficial tratar da questão “verdade versus mentira” vinculando-a apenas a um contexto individual e subjetivo, embora analisa-la desta forma também seja uma necessidade. Afinal, as verdades e as mentiras estão intimamente ligadas à formação do caráter familiar, à moral, à história e ao contexto econômico e social de uma época.
Sendo assim, torna-se possível afirmar que as idéias infundidas nas pessoas como verdades incondicionais, a manipulação das informações, ocorre não somente por conveniências peculiares, mas também pela força persuasiva opressora sobre os oprimidos: por que se aceitou durante tanto tempo a opressão feudal da sociedade estamental sobre a burguesia? Teria sido apenas pela conveniência nobre e clerical ou também pelo não questionamento da burguesia sobre suas necessidades?
Ao final da Revolução Francesa, com toda influencia Iluminista que recebeu, pudemos observar que a modificação do pensamento moral, político e social trouxe à luz da sociedade contemporânea, novas definições sobre verdades e mentiras: a lei deve passar a ser a expressão da vontade geral, a livre comunicação de pensamento e a opinião passam a ser um direito do homem dando livre acesso às verdades individuais; o poder monárquico e papal já não deveriam representar a verdade e realidade da burguesia francesa. Assim funciona também em nosso cotidiano. As necessidades criam novas verdades.
Pode-se dizer da forma determinista de Taine que não somente o homem, mas as verdades são produtos do meio, da raça e do momento. As omissões e as “inverdades” cometidas diariamente por mais banais que pareçam, estarão sempre unidas a um contexto histórico e a uma formação ética, não podendo jamais serem consideradas apenas questão de conveniência.
Lembra desse Helô?

Saturday, December 04, 2004

Inocência

Pudesse eu falar-te aos ouvidos,
Murmurando cantar-te o quê sinto,
Mostrar-lhe o desejo de doar a vida,
E ao olhar-te, celebrar em poesia.

Pudesse eu carregar-te os fardos,
Ocultar em mim teus sofrimentos,
Edificar teus sonhos, curar-te as feridas,
Ser tua luz em noites sombrias.

Pudesse eu fazer-te feliz,
Dar-te a paz delgada que faz-me sentir,
Conceder-lhe carinhos, acalentar-te,
Ser tua cabana, e abrigar-te.

Pudesse eu presumir teu silêncio,
Unir num beijo tua alma à minha,
Luzir Deus sobre teus passos,
Levar teus enfados, e doar-lhe sorrisos.

Pudesse eu segurar tuas mãos,
Caminhar contigo incessantemente,
Entregar-te a vida, e dizer-te
Que amo-te, simplesmente.





Para quem não sabe, eu sou romântica, embora decadente.



Friday, December 03, 2004

Residência

Construí uma casa estranha
Em que havia
Infância,
Instância,
Casca de banana espalhada pelo chão,
Shampoo de marcujá,
Beijo na boca,
Pinceladas de alecrim,
Filme do Almodóvar na Tv,
Cortina de fumaça,
Sorvete de vinho branco e suave,
Revista de poesia,
Luzes de salão.

Construí uma casa estranha
Em que havia
Fotos de gente morta,
Acompanhando gente viva,
Telas de carvão,
Esboçando uma vanguarda retrógrada,
Rascunhos de cartas sentimentais em gavetas fétidas,
Lustres de idéias raras,
Tapetes de realidade,
Uma cama confortável,
Onde só cabem 2.

Construí uma casa estranha
Em que havia
Sonho... De padaria;
Livro de Flaubert;
E literatura de banheiro;
Família;
Música romântica de violão velho;
Marisa Monte no rádio chiado da cozinha;
Elton John para as visitas;
Espelho, maquiagem,
Máquina de escrever,
Moveis de vime,
Almofadas no chão,
Um coração lançado ao vento,
Batendo lento,
Contra as possibilidades do tempo,
E do amor.

Construí uma casa estranha
Em que havia
Paredes pintadas com um sangue idealista,
A sala um tanto cosmopolita,
Podia abrigar o mundo,
Sem compreender a própria decoração...
Um palco enorme em que se interpretam os dias,
Crianças percorrendo o quintal,
Fantasmas balançando nas cadeiras,
Aprisionados nas cadeias de si mesmos.

Construí uma casa estranha
Em que havia
A rosa vermelha, aberta, e total,
O estrangeiro que lembro a todo tempo,
Invadindo clandestinamente a vila,
O município,
O estado,
Tudo o que vivo.
Vem, e senta à minha mesa,
Olha-me nos olhos como quem ama,
Espero-o toda semana,
Sem ter a certeza de que volte...

Construí uma casa estranha
Em que havia
Entre teias de aranha ,
Casulos de borboleta,
Cheiro de eucalipto,
E de chuva na terra,
Amigos fazendo churrasco,
Samba e rock and roll,
Cinema no sótão,
Festa no terraço,
Suco de laranja,
Abacaxi e limão.

Construí uma casa estranha
Em que havia
Na cidade grande,
Todos os ares do campo,
Ares do oceano, e todos os ares,
Era a vida passando inteira sob meus olhos,
Como a velha rabugenta e sozinha da biblioteca,
Cheirando à laranja descascada depois do almoço,
À procura do que jamais encontraria,
Também as bailarinas, ensaiando sua Copélia,
Ravel compondo seu Allegro mais perfeito,
Tudo perfeito,
Sem que a perfeição existisse.



Eu resido em pensamentos erguidos em bairros periféricos, distantes do centro e da importância dos valores seguidos... Minhas ruas são desertas, não há transito, senão em dias de chuva e lágrimas. Não há barulho, nem entulho. As crianças ainda passeiam nas praças com seus pais, onde vivo. Por quê fiz um poema, se quase ninguém o leria? Por quê insisto em dizer quando o que digo pouco importa a quem ouve? Sou tamanha, e estranha, e também tudo o que construo, e vivo... A minha população encontra-se entorpecida, sem que eu precise legalizar as flores da Tailândia. Os casais ainda fazem amor, e nas travessas, em muros escuros, há declarações. As moças esperam bilhetes e flores, e as mães casamentos suntuosos. Estão todos envoltos em razões de cristal. E o que escrevo é um maremoto de incertezas me tomando certamente, transbordando minha alma até que eu não a possa guardar...

Wednesday, December 01, 2004

Numa manhã qualquer...

Acordam, vêem o sol nascendo, e ao longe, logo atrás da janelinha de vidro, alguém percebe a mãe observando o filho, escondida, orgulhosa de o ver saindo para trabalhar. O café forte e doce, o pão endurecido e velho de ontem aquecido com manteiga na chapa de ferro. Come, senão vai esfriar! Não esquece a conta para pagar em cima da mesa...
O ponto de parada está cheio de gente rechonchuda e esguia; Feia ou airosa... Gente: com anseio de ser considerável, e esquecer que é mais um. Só? “Só por serem apenas”. Só por serem todos sozinhos. Iguais em estarem diferentes. Entretanto, nada além de mortais. É, acho que vai chover... No Jornal Nacional deu que a chuva vem no sábado. Hoje ainda é quarta feira... Fadiga.
O pai e a mãe brigaram ontem.
A menina está grávida aos 13 anos.
A criança vai para escola.
O bebê já está na creche.
O caminhão de lixo passou.
O carro é a álcool. Não pega.
O irmão dela está fazendo faculdade. Uma beleza... Lembra até o samba do Martinho da Vila... Quanto custa para poder responder: “escolaridade? Superior”.
Ah, esse ônibus que não passa.
Contaram para o fulano que o marido dela tem outras.
A mocinha tinha o cabelo enrolado, porém, faz chapinha todo dia.
As nuvens estão bonitas. Algodões enfeitados com o reflexo do sol. E vem uma dor fininha, que nem agulha, incomodando ao perguntar: a vida é o quê? Acabam –se assim, os sonhos?
A velha caduca morreu atropelada, na frente de todos, enquanto os fantoches de Deus iniciavam o dia.