Cognição
Isabel repousava enquanto a televisão ainda ressoava na madrugada. Estava frio. Movia-se entre os lençóis, as almofadas e os travesseiros. Era ela o minúsculo grão de mostarda envolvida pela lavoura da modernidade. E ao balizar das três horas, seus olhos entreabriram-se, assustados, como se houvesse despertado de um letargo. Estava cedo ainda, ela o sabia, entretanto, como se não soubesse nada, contara os minutos que se seguiam um após o outro, sem interrupção, entregando-se a um desespero contínuo: a amargura da certeza. E de todas as inverdades que a cercavam, as alegorias, as afeições, as alegrias, de tudo isto e aquilo não mais que transitório só restava-lhe a verdade aberrante e absoluta: o fim. Pigarreou. A boca seca mal podia engolir a saliva. A verdade havia tomado-a a ponto de não encontrar razões. Em um salto rápido, estendeu os braços, acendeu a luz. Caminhava alongando-se como para livrar-se da tensão intangível a que esta veracidade a submetera. Então, ela também morreria? E sua família, e seus amigos. Coisa estranha pensar que tudo o que é vivo um dia também será morto. Seria esta a motivação dos heróis? A idéia interiorizada da mortalidade inevitável é o que encoraja e o que amedronta, é o que desperta catarse ao assistirmos às tragédias e o que nos faz acordar todos os dias e alegrarmo-nos porque faz sol. Mas ao olhar a vida através desta certeza, tudo perdera o sentido para ela: a prática, a rotina, a poesia. Como se nada do que fizesse e soubesse, pudesse retirá-la da solidão dos que morrem conscientemente.
Depois do arrepio esclarecedor, Isabel desejara apenas nunca ter sabido. Vestiu-se e saiu para trabalhar como fizera todos os dias até aquele instante. A vida seguia seu curso e ela fingia ser como os outros.