Saturday, March 29, 2014

Crônica de insônia


Abriu a janela e sentiu o vento batendo em seu rosto. Observou o edifício que interrompia o horizonte. As janelas estavam quase todas fechadas, talvez para espantar o frio, que não era tão forte que provocasse um tremor em seu corpo como o que sentia na alma. Tateava entre equilíbrio e o desequilíbrio. Olhou para baixo e decidiu fechar a vidraça. Melhor não olhar mais. Permaneceria inerte, completamente imóvel, para não desmoronar.

Em meio à sensação gélida que lhe sobreveio pela curiosidade sobre a morte, percebeu subitamente que estava atrasado. Para dormir? Sim, para dormir. Já era a primeira hora do dia seguinte e em pouco tempo precisaria acordar para mais um dia de trabalho.  

Enquanto caminhava novamente para a cama que o aguardava, talvez mais ansiosa que ele, pensou na solitária luz acesa do edifício que era um óbice no horizonte daquela cidade. O que ela fazia luzindo? A companhia daquela lâmpada estaria tão submergida quanto ele?

Gostava de imaginar a rotina dos que não notavam sua existência. Considerava que o dia a dia dessas pessoas seria sempre, inevitavelmente, mais alegre e atraente que o seu.  Possuíam certamente uma rotina com mais expectativas. Se o ser estava acordado, tinha realmente um motivo muito mais nobre que a sua insônia triste: um filme encantador, um livro absorvente, uma conversa prazerosa.

Depois da constatação óbvia, tentou se lembrar da última vez em que esteve contente. Adormeceu antes de superar seu esquecimento. Acordou antes de aliviar o seu cansaço.