Monday, March 01, 2010

Je manque de tout

Tenho pensado muito nessa coisa que é a saudade.
Mais densa que a ausência.
Mais intensa que a falta.
Mais animosa que a carência.
Uma sensação aguda, que se tem quando se pensa num desejo não realizado, num instante indefinido.
A consciência posterior do momento vivido.
Concluí que sinto saudades de tudo, tudo!
Porque a não se tem somente do pretérito.
Sente-se saudade do depois, por isso pressentimos.

São Bernardo do Campo

Uma Terra Nova.
O astro rei despontando bem ali, na Salim Mahfoud.
A velha Rua Júlio Barazal Salgado amanhecida úmida, sob o som dos pássaros.
A infância de bola, pega-pega, esconde-esconde.
Os espetáculos de patins na rua, sob o calor das férias de verão, disfarçados de Holiday on Nice.
O entardecer atravessando a janela do antigo apartamento de meus pais.
O cheiro de eucalipto que chegava com o pôr do sol.
A amiga que morava na casa da frente e tinha um sótão em que eu deixava meus brinquedos para não ter o trabalho de levá-los no dia seguinte.
Amanda, Carolina, Camila, Fernandinha, Mayara, Melina, Sabrina.
O carpete cheio de super-massa.
As crianças e as brigas que se restringiam à decisão da próxima brincadeira.
A piscina de mil litros e os mergulhos para encontrar os anéis que vinham em chicletes.
O tempo em que os conflitos afetivos se limitavam ao menino para o qual eu queria pedir salada mista.
O gelinho de chocolate que a Diva vendia (e o filho dela - que me paquerava).
José Gomes Moreno? Homem ou rua?
As festas juninas da escola e o correio elegante. O pedir prendas. As quermesses.
A angústia que era precisar estudar para a atividade de Matemática.
A certeza que eu tinha de que um dia seria grande astrônoma.
Carla cabeleireira, Rosália manicure.
Pulo mercado. Quitanda da rua de cima.
Olhar as estrelas no céu e apontá-las esperando que em meus dedos nascessem verrugas.
Dançar no carnaval (e gostar).
A pizzaria do irmão da Vanessa.
Primeiro porre.
Primeiro beijo.
Primeiro sexo.
As cantorias na calçada.
A adolescência vivida entre vigílias e louvores.
A missa rezada pelo padre José.
Minha mãe me chamando aos berros na sacada, enquanto eu pedia só mais cinco minutos na rua.
Meu pai me levando à praça para brincar (ainda sou do tempo em que havia praças, não apenas shoppings).
O descer a rua com roupas de balé.
O bailar pelos corredores do condomínio.
O encher a sala de colchões para dormir com os amigos depois do tradicional pão com truco.
A Av. Kennedy e seus bares.
A alegria que a gente não se dá conta enquanto vive, mas que, experimentando sua ausência, procuramos, procuramos, procuramos...

Jogos de Carta

Do encontro:
Ela, só uma menina. Daquele tipo que ainda não sabe bem o que vai ser quando crescer (se é que, quando se cresce, descobre-se esse tipo de coisa).
Ele, um homem casado que, nem bem se sabendo ou se descobrindo, já era crescido.

Da rotina:
Ele passava tardes em Itapuã, oferecendo ao mar de Iemanjá sete notas musicais e sete amores.
Ela, que não era filha de Iansã, caminhava pelas ruas sem cais, sem paixões e sem rubores.

Do presente:
Sete anos se passaram.
Pela primeira vez, olhar-se-iam nos olhos e, possivelmente, não viveriam felizes para sempre.
Do baralho dela, ele era Coringa.
Entre as cartas dele, ela não era a rainha. Mas queria, ah como queria...